IMPACTO POLÍTICO E PODER CULTURAL DE PRODUÇÕES FICCIONAIS: O CASO AINDA ESTOU AQUI
Palavras-chave:
Influência Política. Imaginário Popular. Cultura Cinematográfica. Repercussão Midiática. Indigenismo.Resumo
A relação entre cultura e política nunca se deu de forma passiva ou neutra. Ao contrário, são inúmeros os episódios históricos em que produções artísticas – em especial as cinematográficas – não apenas ecoaram transformações sociais em curso, como também atuaram como catalisadores de processos políticos, tensionaram estruturas de poder, impulsionaram debates públicos e reacenderam memórias coletivas.
Este livro digital se insere justamente nesse campo de intersecção entre o simbólico e o institucional, ao investigar o impacto político e o poder cultural das produções cinematográficas ficcionais no Brasil contemporâneo, com foco analítico no filme Ainda Estou Aqui (2024), dirigido por Walter Salles. O texto apresentado representa um capítulo (aqui desmembrado em três partes) da dissertação “EDUCAÇÃO, CINEMA INDÍGENA E DIREITO AMBIENTAL: Oficinas de Roteiro para Ampliação de Públicos e Resistência na Era da Justiça Climática”, apresentada no mestrado em Ciências da Educação da Veni Creator Christian University (EUA).
O longa-metragem, baseado na obra homônima de Marcelo Rubens Paiva, reconstrói de forma ficcionalizada – mas intensamente fundamentada na realidade histórica – a trajetória de sua família. A mãe, Eunice Paiva, empreende luta por justiça diante da violenta repressão que vitimou seu marido, o ex-deputado Rubens Paiva, desaparecido sob custódia do Estado durante a Ditadura Militar. A figura de Eunice é central não apenas como personagem, mas como símbolo de resistência, transformação e memória. A recepção do filme pelo grande público, suas conquistas em premiações internacionais e o debate social gerado por sua larga exibição em escala nacional, indicam que Ainda Estou Aqui ultrapassou os limites do entretenimento e se transformou em diferenciado acontecimento político e cultural.
O livro está fragmentado em três breves capítulos, cada um abordando dimensões distintas, mas interconectadas, do fenômeno gerado por essa produção cinematográfica. A leitura convida a refletir sobre o papel do audiovisual na construção do imaginário político nacional, o alcance simbólico de representações culturais na defesa de direitos humanos e a forma como a arte pode provocar mobilizações concretas dentro e fora das instituições.
O primeiro capítulo trata da inesperada reativação, no início de 2025, do julgamento da Lei da Anistia pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Após anos de estagnação institucional, a corte voltou a se debruçar sobre a constitucionalidade do perdão legal concedido a agentes do Estado envolvidos em tortura, desaparecimentos e assassinatos durante o regime militar. O estopim simbólico desse movimento foi a repercussão do filme Ainda Estou Aqui, que reacendeu o interesse da opinião pública e a pressão sobre o sistema de justiça. O capítulo analisa os desdobramentos jurídicos e políticos desse cenário, com destaque para o papel do cinema como provocador de agendas judiciais, bem como os votos dos ministros e os argumentos invocados no caso paradigmático do ex-deputado Rubens Paiva.
Já no segundo capítulo, o foco se desloca para a dimensão humana e histórica da narrativa. A trajetória de Eunice Paiva é explorada em temporalidade mais elástica: de mulher atingida pela violência de Estado a advogada atuante na causa indígena e figura pública de resistência. Ao longo das páginas, traça-se uma linha entre a vida real de Eunice e sua representação ficcional nas telas, interpretada com rara sensibilidade e sofisticada contenção dramática por Fernanda Torres. A análise abrange ainda a forma como o filme recupera a memória nacional, toca emocionalmente o público e resgata o valor da ideia de proteção de um sempre ameaçado Estado Democrático de Direito. Este capítulo também investiga o prodígio de mobilização popular e comoção em torno do filme, desde manifestações nas redes sociais até homenagens carnavalescas — sintomas de sua diferenciada penetração no imaginário popular.
O capítulo final amplia o debate para o campo das teorias culturais e da comunicação política. Refletindo sobre o conceito de “poder cultural”, tal como discutido pelo pesquisador Franthiesco Ballerin, examina-se o cinema como mecanismo estratégico de influência sociopolítica. São traçados paralelos entre Ainda Estou Aqui e outras produções como Tropa de Elite (2007), de José Padilha, para demonstrar como narrativas ficcionais são capazes de moldar mentalidades, legitimar discursos e consolidar simbologias que repercutem no cenário eleitoral, no imaginário social, nas políticas de massa e na opinião pública. Dessa maneira, resta demonstrada a importância do engajamento emocional do público cinematográfico como chave para uma adesão popular ampla e influente. Destaca-se ainda como a dinâmica da ficção – mais destacadamente do que o documentário – se mostra eficaz para criação de mobilização coletiva no campo simbólico de determinado povo.
Ao final desta leitura, espera-se que o leitor compreenda como o cinema – longe de ser apenas diversão – pode ocupar um papel central no embate de ideias, na formação de identidades políticas e no enfrentamento dos traumas históricos de um país. Mais do que relatar os acontecimentos em torno de Ainda Estou Aqui, este livro deseja contribuir para o entendimento do lugar da arte como ferramenta de consciência crítica e construção democrática.
Boa leitura!
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