ADOÇÃO TARDIA: DESAFIOS, CONSEQUÊNCIAS, PRECONCEITOS E ACEITAÇÃO NO PROCESSO SELETIVO DE ADOÇÃO NO BRASIL

Autores

  • Magaly Rosângela Alves Lima de Melo Veni Creator Christian University
  • Maria Emília Camargo Veni Creator Christian University

Palavras-chave:

Adoção tardia. Família. Preconceito. Aceitação.

Resumo

A adoção é reconhecida como um ato legal que confere a alguém o status de filho por parte de outras pessoas. É um procedimento jurídico com o objetivo de unir duas ou mais pessoas, resultando em uma relação equiparável às filiações biológicas (Ost, 2009). Do ponto de vista psicológico, a adoção representa um gesto de afeto e cuidado, contribuindo para a construção de novos laços entre o adotante e o adotado, proporcionando-lhes a oportunidade de desfrutar de um ambiente familiar (Leite; Sabatke; Saraiva, 2019).

Sob a perspectiva legal, o art. 39, §1º do Estatuto da Criança e do Adolescente(ECA),  (Lei número  12.010, de 3 de agosto de 2009), é uma legislação que visa garantir a convivência da criança ou adolescente com a sua família biológica estipula que: “a adoção é uma medida excepcional e irrevogável, a ser buscada apenas quando esgotados os recursos para manter a criança ou adolescente na família natural, ou extensa[...]”. Além disso, a adoção tardia, como destacado por BERTOL et al. (2019), "desempenha um papel relevante na sociedade, proporcionando um lar para crianças e adolescentes que não experimentaram o calor de uma família [...]". As famílias adotivas, incluindo as famílias homoafetivas, que também têm o direito de adotar,  devem receber essas crianças de braços abertos, oferecendo-lhes um ambiente seguro e acolhedor, integrando-os plenamente à família e à sociedade em geral.

Até o século XX, a adoção não era amplamente reconhecida judicialmente e suas práticas eram limitadas, favorecendo predominantemente os adotantes em detrimento dos adotados. A adoção era cercada de restrições legais, sendo somente modificada quando o Código Civil (Lei no. 3.133, de 8 de maio de 1957) estabeleceu novas normas e os juízes de menores passaram a exigir o registro legal da adoção somente com autorização judicial. Esse momento marcou a intervenção do poder judiciário na adoção, com foco no bem-estar das crianças, resultando na promulgação de novas leis para garantir seus direitos (KOZESINSKIL, 2016).

Nesse sentido, o Congresso Nacional promulgou a Lei n. 4.655, de 2 de junho de 1965, que abordava a legitimidade da adoção, garantindo às crianças menores de cinco anos em situação de risco a oportunidade de encontrar um novo lar, proporcionando-lhes uma nova perspectiva judicialmente (TEIXEIRA, 2013). O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), estabelecido pela Lei no. 8.069, de 13 de julho de 1990, enfatizou a proteção integral da criança e determinou que a família, a sociedade e o Estado têm o dever de garantir uma vida digna, incluindo educação, saúde, lazer, alimentação e outros fatores essenciais para o desenvolvimento humano adequado, além de promover o convívio familiar e comunitário, visando a construção de laços saudáveis (Brasil, 1990).

Com os avanços na legislação de adoção, surgiu a necessidade de desenvolver novas estratégias para promover uma estabilização afetiva das crianças e adolescentes na família. Uma das mudanças significativas foi em relação à longa espera na fila de adoção, na qual os pais adotivos obtinham apenas a guarda provisória da criança adotada, gerando angústia e frustração (CARDOSO, 2018). Segundo Moraes (2020, p. 19), "essa lei trouxe mudanças significativas no ECA, com medidas importantes para crianças e adolescentes em situação de acolhimento[...]".

Essas mudanças incluíram a implementação de programas de apadrinhamento, a redução do tempo de acolhimento institucional, alterações nas regras do estágio de convivência, ações para a perda ou suspensão do poder familiar e mudanças nos prazos para ações judiciais relacionadas à destituição do poder familiar, entre outros aspectos.

Com os avanços na legislação de adoção, emergiu uma nova cultura de adoção que, conforme observado por Costa e Rossetti-Ferreira (2007), "implica um novo conceito de família, maternidade e paternidade, atribuindo novos significados à parentalidade. Isso pressupõe uma família que aceita a diferença e a alteridade, que lida com projetos de filiação alternativos [...]", resultando em mudanças nas preferências em relação aos perfis das crianças, promovendo opções sem preconceitos. Os Grupos de Apoio à Adoção e o Judiciário desempenharam papéis fundamentais nessas mudanças, por meio de campanhas e incentivos à adoção tardia, destacando a importância da construção de vínculos. Afinal, como observado pelos adotantes, como é a construção do vínculo entre pais e filhos em casos de adoção tardia?

De acordo com as orientações do Manual Passo a Passo da Adoção (2008, p.11), desenvolvido pela Associação dos Juízes Brasileiros, a adoção tardia é caracterizada pela adoção de crianças mais velhas ou adolescentes. Isso sugere a questionável ideia de que a adoção é predominantemente voltada para recém-nascidos e bebês, enquanto as crianças mais velhas são consideradas fora do tempo ideal para adoção. Como resultado, essa categoria enfrenta diversos desafios, uma vez que historicamente a adoção de crianças mais velhas foi marcada por preconceitos, o que pode gerar preocupação entre os pais adotivos e possíveis discrepâncias em relação às expectativas, devido à consciência e maturidade já desenvolvidas pelas crianças adotadas em relação aos relacionamentos (BERTI, 2019).

Com os avanços legais, a adoção tardia está passando por uma Nova Cultura, conforme Souza (2016, p. 8), que busca garantir o direito das crianças e adolescentes institucionalizados à convivência familiar e comunitária, promovendo a prática da adoção. Essa mudança destaca a importância de construir vínculos parentais na adoção tardia, oferecendo um lar amoroso para essas crianças. Diante do aumento da demanda por crianças institucionalizadas no Brasil, surgiu a necessidade de um movimento em prol dessa causa, resultando na criação da Associação Nacional de Grupos de Apoio à Adoção (ANGAAD) em 2012, uma associação civil que defende os direitos das crianças e adolescentes, visando garantir o direito dessas crianças de viverem em família, com foco em suas necessidades (ANGAAD, 2012).

Dessa forma, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) (Lei no. 13.509 de 22 de novembro de 2017) atualizou algumas leis e artigos, tornando obrigatória a participação dos pais adotivos em programas de preparação para adoção oferecidos pela Justiça da Infância e da Juventude, com o apoio de técnicos responsáveis e grupos de apoio à adoção (CAVALCANTE, 2017). Os autores Sampaio, Magalhães e Carneiro (2018, s.p.) afirmam que a construção do vínculo parento-filial é influenciada pelas experiências anteriores, tanto dos pais quanto das crianças, em um processo que requer esforço de ambas as partes.

Considerando que a criança adotada tem mais de dois anos, a maioria já possui a capacidade de expressar suas próprias vontades e compreender o processo de adoção. Quanto à construção de vínculos, estudos realizados por Bernardino e Ferreira (2013) sugerem que quando a criança foi vítima de maus-tratos, abandono psicológico, negligência ou abuso sexual em sua família biológica, ela pode inicialmente manifestar reações agressivas em relação aos pais adotivos devido ao medo de reviver essas experiências. Portanto, os novos pais devem estar preparados e receber apoio psicológico para lidar com a fase de adaptação da criança ao novo lar. Uma vez superada essa fase, a harmonia familiar é estabelecida e os medos tanto dos pais quanto da criança diminuem, permitindo que eles formem uma família.

Com os avanços na legislação de adoção, surgiu a necessidade de desenvolver novas estratégias para promover uma estabilização afetiva das crianças e adolescentes na família. Uma dessas estratégias é o apadrinhamento, uma prática solidária de origem latina, conforme informações disponíveis no site do Tribunal de Justiça de Pernambuco (TJPE). O apadrinhamento destina-se a oferecer suporte a crianças e adolescentes em instituições de acolhimento, proporcionando convivência comunitária e assistência material ou profissional para aqueles que enfrentam dificuldades em retornar à família de origem ou serem adotados (TJPE, s.d.). Com três modalidades - afetivo(a), provedor(a) e profissional - o programa oferece oportunidades para indivíduos e empresas interessados em participar. Para se tornar padrinho/madrinha, é necessário ter mais de 18 anos e demonstrar idoneidade moral, com o processo de inscrição ocorrendo na Vara da Infância e Juventude local.

Como destacam Esteves e Silva (2016, p. 21), ao optar pela adoção tardia, os pais precisam estar preparados e dispostos a enfrentar o processo de ajustamento, mudança e adaptação. Portanto, é fundamental que os pais concentrem seus esforços no processo de adoção para estabelecer um vínculo afetivo com o filho adotivo, garantindo que a criança se sinta segura e amada. Nas palavras de Lima, Nacul e Cardoso (2020, p. 5), a construção de laços entre pais e filhos no processo de adoção tardia é única, já que os pais reconhecem que crianças adotadas tardiamente podem ser mais desafiadoras de educar, devido à sua capacidade cognitiva de expressar suas verdadeiras opiniões, que podem variar dependendo do contexto em que estavam inseridas, diferindo das expectativas dos adotantes.

Conforme QUEIROZ (2019, p. 27), quando o desejo de integração da criança na família se mistura com a tentativa de apagar suas origens, o processo de adoção se torna mais complexo e demorado. Portanto, é essencial permitir que a criança acesse suas origens para que possa compreender sua história e o motivo de estar em uma nova família, o que fortalece o processo de construção de vínculos através da troca de confiança entre pais e filhos. Assim, para que a construção do vínculo afetivo parento-filial na adoção tardia seja eficaz, os pais devem reconhecer o passado do filho adotivo.

O processo de parentalidade representa uma reconfiguração mental que se inicia com o desejo dos pais de terem um filho (MACHADO; CARNEIRO; MAGALHÃES, 2015). Em particular, a parentalidade adotiva, especialmente em casos de adoção tardia, é um processo que se desenvolve ao longo do tempo, não necessitando de vínculos biológicos para a formação do laço parental, mas sim do acolhimento e cuidado dos pais (BIASUTTI, 2016).

Quando os pais planejam adotar, precisam se preparar para a transição para a parentalidade, ajustando suas vidas em termos materiais e emocionais para receber o filho adotivo e assim construir uma nova identidade como pai ou mãe. Muitos pais adotivos continuam a participar de grupos de apoio mesmo após a conclusão do processo de adoção, especialmente quando se trata de adoção tardia, buscando trocar experiências com outros adotantes (CECÍLIO; SCORSOLIN-COMIN 2016).

A decisão de adotar uma criança, especialmente as mais velhas, traz consigo expectativas de formar uma família completa baseada no afeto e no papel de pai ou mãe. No entanto, existe o receio de que as expectativas não sejam correspondidas, o que pode gerar insegurança, especialmente em adoções tardias, resultando em crianças mais velhas permanecendo em instituições de acolhimento (BERNARDINO; FERREIRA, 2013). Os adotantes muitas vezes esperam que o filho adotado atenda às suas expectativas, podendo desejar que ele substitua um filho biológico ou realize aspirações pessoais não alcançadas. No entanto, é importante compreender que a criança não tem a obrigação de realizar esses desejos individuais dos pais (CAMARGO, 2005).

O processo de adoção frequentemente gera expectativas nos adotantes, mas é crucial entender que os laços afetivos não se formam apenas com base nessas expectativas. É necessário compreender e atender às necessidades dos filhos adotivos para que se estabeleça uma adoção efetiva, o que envolve um processo de integração extenso da família com o novo membro (OTUKA; SCORSOLIN-COMIN; SANTOS, 2012). Ademais, a adoção tardia apresenta desafios, como a adaptação à rotina familiar e às experiências prévias da criança, mas também oferece vantagens, como a capacidade da criança de se comunicar e expressar sentimentos, facilitando a construção do vínculo afetivo (BICCA; GRZYBOWSKI, 2014).

Casais que optam pela adoção tardia geralmente já têm experiência em criar filhos e podem não desejar começar novamente com um bebê, buscando, assim, uma criança com maior autonomia e independência (EBRAHIM, 2001). No contexto da adoção tardia, é comum enfrentar desafios que podem influenciar a formação do vínculo entre pais e filhos, especialmente considerando que se tratam de crianças com mais de dois anos em processo de desenvolvimento. Para estabelecer esse vínculo afetivo, é crucial adotar estratégias de enfrentamento diante das situações desafiadoras.

Conforme destacado por Sampaio (2017), lidar com o passado das crianças adotadas e construir uma nova história pode ser um caminho complexo. Adotar crianças mais velhas implica lidar com diversas bagagens emocionais que podem interferir na construção desse vínculo, incluindo experiências prévias e a necessidade de compreensão por parte dos pais adotivos. As experiências vivenciadas antes da adoção, especialmente em termos de laços familiares e separações, podem impactar profundamente a criança, tornando essencial o entendimento e a superação desses desafios (SOUSA, 2018). Diversos fatores podem interferir na construção do vínculo, como dificuldades iniciais, histórico de vida do filho adotivo e questões pessoais dos pais adotivos (SAMPAIO, 2017).

A transição da criança para uma nova família após experiências prévias envolve uma adaptação emocional significativa (RIBEIRO, 2020). Construir esse vínculo afetivo demanda tempo e esforço, considerando possíveis medos e inseguranças da criança em se adaptar ao novo ambiente familiar (RIBEIRO, 2020). No caso da adoção tardia, onde as crianças já têm uma identidade e autonomia próprias, a dinâmica familiar pode ser impactada de maneira mais intensa (ARAÚJO, 2020). Isso pode gerar preocupações por parte dos pais adotivos, já que a criança pode resistir às regras impostas pela nova família.

Para superar esses obstáculos, estratégias como preparação prévia, suporte psicológico, participação em grupos de apoio e ressignificação de preconceitos são essenciais (DIAS; SILVA; FONSECA, 2008). O apoio profissional, incluindo orientação psicológica, é fundamental para que os pais adotivos compreendam o processo de adoção e desenvolvam um vínculo afetivo saudável com o filho adotivo (PEIXOTO et al., 2019).

Afinal, o afeto, tal como, o carinho e o amor, não deixa de ser imprescindível, para que, adotantes e adotados se escolham, independentemente de cor, raça, idade  ou orientação sexual. Corroborando com esse entendimento, a constituição de uma família, se dá não pelo simples fato de se juntar, ou conviver debaixo do mesmo teto, mas, além de tudo, é essencial que exista nesse ambiente, respeito, compreensão, amor, comprometimento e, dessa maneira, efetivar o alicerce constitucional, a saber, a dignidade da pessoa humana.

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Publicado

2025-04-29

Como Citar

Melo, M. R. A. L. de, & Camargo, M. E. (2025). ADOÇÃO TARDIA: DESAFIOS, CONSEQUÊNCIAS, PRECONCEITOS E ACEITAÇÃO NO PROCESSO SELETIVO DE ADOÇÃO NO BRASIL. Revista Ibero-Americana De Humanidades, Ciências E Educação, 29–278. Recuperado de https://periodicorease.pro.br/rease/article/view/18948

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