VIDA, AUTONOMIA E ABORTO: REPRODUÇÃO E LIBERDADE DA MULHER NO JULGAMENTO DA ADPF 54

Autores

  • Maria de Fátima Ramos Tôrres Alencar Veni Creator Christian University
  • Maria Emília Camargo Veni Creator Christian University

Palavras-chave:

Aborto. Descriminalização. Direitos humanos. Criminologia crítica. Feminismo.

Resumo

O Código Penal Brasileiro de 1940 classifica o aborto provocado como crime, conforme os artigos 124 a 127. Existem apenas duas exceções legais, especificadas no artigo 128, que permitem a realização do aborto: I – quando não há outra forma de salvar a vida da gestante (aborto necessário); II – em casos de gravidez resultante de estupro. Além dessas, o STF adicionou a hipótese da anencefalia fetal no julgamento da Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 54, em abril de 2012. Neste caso, o Relator, Ministro Marco Aurélio, argumentou que a interrupção da gravidez anencefálica não constitui uma nova hipótese de aborto permitido, já que, sem a viabilidade de vida extra-uterina, a interrupção não configuraria aborto, sendo a conduta, portanto, atípica.

É impossível determinar com precisão o número de abortos provocados anualmente no mundo e os impactos sociais das diferentes hipóteses de criminalização dessa prática, já que poucos países possuem dados confiáveis. A falta de precisão dos dados sobre aborto é compreensível nos países onde a prática é criminalizada, como no Brasil, onde não existem dados oficiais. Assim, as estimativas são baseadas apenas no número de complicações decorrentes do aborto que chegam ao sistema público de saúde.

A subnotificação de casos de aborto é um obstáculo ao desenvolvimento de uma legislação penal adaptada às realidades sociais. No Brasil, como em muitos outros países, o aborto é um sério problema de saúde pública, justiça social e direitos humanos. A criminalização do aborto agrava o estigma social e religioso vivido pelas mulheres e cria um ambiente caracterizado pela violência simbólica de gênero.

A elevada mortalidade materna no Brasil está intrinsecamente ligada à proibição do aborto. Em locais clandestinos, as mulheres são submetidas a condições inseguras e inadequadas durante o procedimento. De acordo com o Ministério da Saúde, o aborto é a quarta principal causa de morte materna no país, devido a hemorragias e infecções. Dessa forma, a legalização do aborto tem um impacto direto na segurança das mulheres que optam pela interrupção da gravidez.

O efeito do aborto na saúde física e mental das mulheres, bem como na sociedade, está intimamente ligado à aceitação legal do procedimento e ao acesso facilitado aos serviços de saúde correspondentes. Nos países onde o aborto é mais restrito, as taxas de mortalidade materna são significativamente mais altas. Em contrapartida, nas nações onde o aborto é permitido, nenhuma mulher precisa colocar sua vida em risco para interromper uma gestação.

Assim, o aborto transita entre ser considerado um crime e um direito. Embora o Código Penal brasileiro criminalize a prática, com exceção de duas situações específicas, diversos tratados internacionais de direitos humanos, aos quais o Brasil é signatário, recomendam a revisão das leis punitivas relacionadas ao aborto como forma de proteger os direitos sexuais e reprodutivos das mulheres.

Um exemplo é a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher (CEDAW), ratificada em 1984, que assegura às mulheres o direito a um atendimento integral em relação à sua saúde sexual e reprodutiva. Com base nessa convenção, o Brasil assumiu o compromisso de proteger as mulheres dos impactos negativos à saúde decorrentes do aborto.

O sistema internacional de proteção aos direitos humanos, acolhido pela Constituição Federal atual (CRFB/88), consagra o princípio de que o aborto deve ser tratado como uma questão de saúde pública pelos Estados, o que implica na eliminação de todas as sanções punitivas aplicadas às mulheres que realizam um autoaborto voluntário, retirando essa questão da esfera do Direito Penal.

O objeto deste estudo é investigar o crime de aborto, utilizando como referencial teórico a Criminologia Crítica, o Movimento Feminista e o Direito Internacional dos Direitos Humanos. A pesquisa busca explorar as tensões entre o entendimento do aborto como crime ou como direito humano, procurando identificar qual dessas perspectivas é mais compatível com os princípios constitucionais.

Este trabalho apresenta os marcos legais internacionais de direitos humanos ratificados pelo Brasil que estão relacionados ao aborto; analisa os fundamentos da Criminologia Crítica e do Movimento Feminista, avaliando como esses campos dialogam e aplicam-se ao tema do aborto; e examina a função simbólica da criminalização, bem como as funções explícitas e implícitas da norma penal.

A relevância do tema é destacada pela dimensão do aborto tanto no Brasil quanto no mundo. O Ministério da Saúde estima que mais de um milhão de abortos são realizados anualmente apenas no Brasil. No entanto, esse dado é apenas uma estimativa, devido à clandestinidade da prática, o que reforça a necessidade de pesquisas aprofundadas sobre o assunto.

A investigação sobre o crime de aborto torna-se urgente ao considerar os altos índices de mortalidade materna evitável decorrentes de abortos clandestinos.

A relevância da pesquisa sobre o aborto também se manifesta na interdisciplinaridade que o estudo do tema demanda. Para compreender o impacto social da criminalização do aborto, é necessário buscar elementos não apenas da ciência jurídica, mas também das ciências médicas e sociais.

Mesmo dentro das ciências jurídicas, a pesquisa sobre o aborto enquanto crime exigirá análises do Direito Penal, Constitucional e do Direito Internacional dos Direitos Humanos. Do ponto de vista jurídico, a pesquisa se justifica pela magnitude dos bens jurídicos em debate, como a vida, a saúde e a liberdade.

Diante disso, apresenta-se o seguinte problema de pesquisa: Como o julgamento da ADPF 54 reflete as tensões entre a autonomia reprodutiva das mulheres e os direitos à vida, e quais são suas implicações para a liberdade feminina no Brasil?

A pesquisa parte da hipótese de que a criminalização do aborto é ilegítima, não apenas por ser inadequada para proteger a vida do feto, mas também por ameaçar outros bens jurídicos não contemplados explicitamente pela norma penal, como o direito humano da mulher à vida, à saúde e a viver livre de discriminação ou tratamento cruel, desumano ou degradante.

 

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Publicado

2025-04-25

Como Citar

Alencar, M. de F. R. T., & Emília Camargo, M. (2025). VIDA, AUTONOMIA E ABORTO: REPRODUÇÃO E LIBERDADE DA MULHER NO JULGAMENTO DA ADPF 54. Revista Ibero-Americana De Humanidades, Ciências E Educação, 18–297. Recuperado de https://periodicorease.pro.br/rease/article/view/18849

Edição

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E-books

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